MESTRE CALU

Imersa no mundo colorido de Mestre Calu, um mestre marionetista que dá vida ao folclore através de suas performances cativantes de mamulengo. Descubra sua paixão pela narração de histórias e como seu teatro de fantoches serve como um pilar cultural em sua comunidade.

ROTEIRO – 12 – MESTRE CALU

JOSI MARINHO  – LOCUTORA JOSI MARINHO

DESC – DESCRIÇÃO CRIS XAVIER

TEC – TÉCNICA

ABERTURA 

– Podcast Nossa História, take 1, Mestre Calú

– hahaha obrigado!”

– Como foi pensar essa casa e colocar tanto boneco? 

SOBE SOM MESTRE CALU CANTANDO COCO 

JOSI MARINHO  – Estamos em Vicência, zona da mata de Pernambuco, no Espaço de Memória Mestre Calú. Pense num mamulengueiro arretado! 

TRILHA OU SOBE SOM MESTRE CANTANDO

JOSI MARINHO  – Esse é o Podcast Nossa História, Nossa Memória, realizado com o incentivo do Funcultura,  Fundarpe, Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco.

JOSI MARINHO  – Nós estamos a mais de 90 km do Recife. Hoje o mamulengo será destaque em nosso episódio. Nossa conversa será com Antônio Joaquim de Santana, mais conhecido como Mestre Calú. 

SOBE TRILHA

JOSI MARINHO  – Eu sou a jornalista Josi Marinho. Mulher negra, produtora cultural e realizadora desse projeto. 

DESC – E eu sou Cris Xavier, mulher negra e produtora cultural. Você já sabe que este podcast conta com recursos de audiodescrição. Ele é importante para contar histórias para pessoas com deficiência. Esse som … (pausa) … Indica que você vai ouvir minha voz descrevendo algo importante do nosso episódio. 

JOSI MARINHO  – Para este episódio precisamos entender o que é o mamulengo.  Imagine um teatro de bonecos… Pronto… Mamulengo é um teatro popular de bonecos fantoches. É muito comum aqui no nordeste brasileiro. Esses bonecos são feitos de madeira e tecido e são manipulados por um mamulengueiro. Na brincadeira tem muito humor, muita história, música, dança e até críticas. As apresentações são realizadas de baixo de um toldo, esse é o nome dado a casinha que esconde o mamulengueiro, deixando a mostra para o público apenas os bonecos. A brincadeira acontece em feiras, praças e festas populares. As histórias geralmente são baseadas em lendas ou contos populares. 

SOBE TRILHA

JOSI MARINHO  – Mester Calú é referência quando se fala de mamulengo. Atualmente é um dos mestres de maior idade e com mais experiência na brincadeira popular. Na infância viu o pai brincar. A paixão foi tanta que montou o próprio teatro de bonecos… O presépio mamulengo Flor de Jasmim. O mestre além de criar histórias e se apresentar, fabrica os próprios bonecos. Ele também tem um espaço dedicado a ele seus  mamulengos….que é o Espaço de Memória Mestre Calú. 

DESC – Mestre Calu é um homem branco de 78 anos. Sempre com um chapéu na cabeça, ele usa um bigode já grisalho. O que define Mestre Calú é alegria, espontaneidade e o espírito de criança. Acima de tudo, ele tem orgulho do que faz. O mestre está sentado com um dos seus bonecos na mão. Atrás dele, várias prateleiras com dezenas de bonecos. O Espaço de Memória Mestre Calú é uma casa simples, mas cheia de histórias. Na fachada, além do nome, tem um desenho que retrata o próprio mestre como um mamulengo de boca aberta… Ao lado uma árvore e uma cobra… É uma referência a uma das histórias dele, onde um boneco consegue engolir três cobras. 

JOSI MARINHO  – Essa descrição só nos deixou com mais vontade ainda de conhecer essa história e as centenas de personagens criados por Mestre Calú. Mas vamos deixar que ele mesmo conte tudo pra gente. Mestre, começo lhe convidando a fazer um exercício de voltar no tempo… Lá para as origens… De onde veio essa paixão? 

00:13 –  Eu comecei a fazer boneco faz 30 anos. Que eu brinco vai completar 59 no dia 1 de dezembro, que eu trabalho com mamulengo. Esse mamulengo foi comprado, um rapaz que morreu de Chã de Oiteiro, chamado Tiú. A família dele morava aqui em Turiaçu. Então eu comprei a família esse mamulengo. Ajeitei, eram poucos bonecos, aí foi se quebrando. No tempo eu brincava nos engenhos, nas fazendas, tinha muito morador. Eram 200, 300 moradores no terreiro, era gente demais. O pau cantava viu? Caia boneco no meio do povo, de cipoada que eu dava.  Então, eu brinquei nesse meio de mundo por aqui, por todo canto. Por aqui subindo nessa região aqui, brinquei em Água Doce, Laranjeira, Juncar. E saí brincando no meio do mundo, Imbú, Escaiva, São Vicente Férrer, Sirigi, Machado.

JOSI MARINHO  – Mestre Calu começou a brincar com o mamulengo muito novo, entre 17 e 18 anos. Ele acompanhava o pai em várias apresentações. É claro que essa memória cultural bateu forte e influenciou o mestre a criar o próprio teatro de bonecos. Como ele mesmo diz… Ele comprou vários mamulengos e fez a alegria de muitos trabalhadores rurais. Era e ainda é uma vontade danada de brincar. 

01:44 –  Era porque a gente tinha aquele prazer. A gente que trabalha com isso tinha aquele prazer de brincar. E então todo sábado, a gente brincava, nos interiores, nas fazendas. A gente vinha no domingo todos enfadados. Aí o fazendeiro dizia:  “oh, seu Calú, você pode brincar aqui até meia-noite?” Eu dizia: “a gente brinca, estamos aqui pra brincar.” Ele me perguntava quanto estava o contrato, e eu dizia que era 60 “mirreis”. Aí a gente ficava lá no engenho. Os folgazões todinhos. Vinha aquela pratada de farofa com bacalhau. O patrão trazia para aquele folgazão todinho pra gente que brincava. Minha brincadeira é quatro pro banco, três pro banco e dois figureiros. Eu já tô ficando velho, aí contratei dois figureiros para brincar. Porque quando não aguento eles brincam. Eu brinco, eu começo a brincadeira, mas depois, eu descanso uma coisinha. Eu fico no banco só cantando coco e toada. Que meu mamulengo é do mesmo jeito, como o cavalo marinho, coco e toada. Tem mamulengo por aí que brinca até sozinho. Eu não sei brincar sozinho não. Aí o pessoal fala: “mas rapaz e dá pra tu pagar o povo?” O que der, a gente reparte, eu pago a eles. Mas meu banco do jeito que eu comecei… meu pai brincou 36 anos, e deixou de brincar. Ai eu comprei esse mamulengo em 64, ai ele disse: “mas rapaz, deixe de ser um cabra besta, comprar isso. Você sabe brincar disso? – Não, sei não, mas o senhor não está aí”, eu disse pra ele. Eu só sei que ele não queria brincar mais, já velhinho, mas ele brincou seis anos comigo. Ele disse que ia me ensinar. Aí ele ficou seis anos e depois faleceu. Aí eu fiquei, já fiquei aprendido.

JOSI MARINHO  – E por que o senhor é conhecido como Mestre Calu? 

12:18 –  É porque meu pai se chamava Zé Calú, o apelido dele. Meu pai é José  Joaquim Santana, mas o apelido dele, o pessoal só conhecia ele por seu Calú. Então eu fiquei por mestre Calú até hoje. Antigamente eu não era mestre, mas de uns anos para cá, o pessoal quis que eu fosse, aí hoje me chamam de mestre Calú.

12:45 –  “Mestre Calú, tudo bom mestre Calú?” Onde eu chego é uma festa. Chega eu fico tranquilo, eu gosto demais.

JOSI MARINHO  – E sabe uma curiosidade?  Na época as brincadeiras aconteciam em lugares diferentes… Zona rural, usina, vilarejo… O transporte dos brincantes era feito de cavalo e jumento. Eram horas de estrada. 

04:54 –  De estrada tinha vez que eram quatro horas, três horas. Não era brincadeira sair daqui para São Vicente Férrer a pé, Macambira, que é perto de  São Vicente Férrer. Não era brincadeira não, viu? Hoje tem uma coisa melhor do mundo. A gente arruma um carro, paga o frete e vai embora. Mas antes não. Eu andei 10 anos só com os panos, quem adquiria o toldo cortava na mata, quatro paus, fazia uma meia água, eu andava com o pano, só era enrolar o pano. Brincava a noite inteira. Não tinha essa historinha não, se brincava a noite inteira nessa época. 

TRILHA

JOSI MARINHO  – Mas, afinal… para brincar mamulengo precisa de quê? 

05:44 –  É o seguinte, eu aprendi na época do meu pai. Ele tinha o banco e era coco e toada. Nisso eu me criei, terminei de brincar e é na mesma pisada. Eu pego o pandeiro, eu canto. Tem coco de toda qualidade. O pessoal diz: “oh, seu Calú, o senhor tem estudo?” Eu estudei 10 anos e não aprendi nada. Fiquei me ligando só nisso aí.

06:16 –  Tenho o talento de criar. Eu crio da minha cabeça. 

JOSI MARINHO  – AH… mas agora a gente quer ouvir uma das suas criações. 

TOQUE DE PANDEIRO… 

DESC – Nesse momento Mestre Calu pega um pandeiro,  ajusta ele na mão e vai tocar pra gente, como ele mesmo descreveu, “a toada de uma mulher do divino espirito santo”. 

TOQUE DE PANDEIRO 

06:52 – Uma toada de uma mulher do Divino Espírito Santo.

(cantoria)

– Essa é a primeira toada pra começar o mamulengo. Ai para essa toada e começa no coco mesmo. 

(mais cantoria)

JOSI MARINHO  – Que maravilha conhecer na prática essa manifestação popular. O mamulengo mescla o coco com algumas histórias. Esse coco cantado por Mestre Calu faz parte de uma das histórias criadas por ele. Os personagens, representados por bonecos, são: seu Mané Pacarú,  Simão, Anselmo, Benedito e Dona Lembrança. Eles estão num sítio tentando negociar quem vai trabalhar como administrador do lugar. Mané Pacarú que é o dono do sítio viaja e quando volta encontra o pessoal dançando.  

8:33 –  Aí Simão sobe, que é pra acertar com filho do seu mané. Uns 1500 conto, que é pra ele trabalhar como administrador.  Seu mané vai para os “Arrecife”. Ele chama “arrecife”. Fica Anselmo, Benedito e ele. Aí pega uma dança com a filha de seu Mané e dona Lembrança. Eles dançam. Aí seu Mané vem do Recife, sobe na Chã, e diz: “- que bonitas obras rapaz. Eu num disse que não queria samba aqui? Não queria cavalo marinho, não queria ciranda, não queria coco, não queria nada aqui.” Aí dona Lembrança sobe e diz: “- deixa da tua besteira, meu filho, deixe da tua bobagem. A gente dançou aqui, mas não arrancou um taco não.” Seu Mané fica meio brabo, aí dona Lembrança voa em cima dele, dá dois empurrões nele. Aí tem o coco.

(cantoria)

JOSI MARINHO  – Entre uma história e outra…. A música sempre dá esse tom.  Tudo criação do Mestre Calú. 

10:33 – Simão de Lima Condessa, quando ele sobe, tem um coco pra ele.

(cantoria)

– Aí ele sobe, já acertou o filho de seu Mané. Aí vem a mudança. É caneco sem fundo, é penico furado, é engraçado viu?

JOSI MARINHO  – Tudo isso faz parte de um enredo. Uma história que é desenvolvida com diálogos, improviso, e muita cantoria. E são vários personagens que entram na história. 

11:36 –  Rapaz, o meu mamulengo tem em torno de 115 bonecos do mamulengo. Eu tava com 200 e pouco. Levei alguns para a Fenearte e vendi besteira. O presépio mesmo é 115… 110. Eu não coloco nem 1\4. A brincadeira não demora muito mais. Antes a gente amanhecia o dia. A brincadeira amanhecia o dia no interior. Quando dava quatro horas, a gente tava tudo cansado, arriando a brincadeira. Eles diziam: “bota a figura Calú. A gente quer ver figura.” E o dinheirinho correndo de um boneco pra outro.

JOSI MARINHO  – O senhor disse que tem mais de 100 personagens. Como é o cuidado com os bonecos?  Onde são guardados? 

13:06 –  Eu guardava em casa. Essas malas são todas de guardar bonecos, são todos guardados em malas. Mas era ruim, as vezes ficava muito tempo nas malas, e tem que colocar no sol, colocar pra esquentar. 

JOSI MARINHO  –  Além de criar essas histórias, o senhor cria bonecos. Cada um com um jeitinho, traços diferentes, roupas diferentes… 

13:43 – Eu fui pra Garanhuns, não tem como levar 20 bonecos, trabalhar seis horas do dia para levar 20 bonecos, não tem no mundo quem faça. Aí eu já levo as peças cortadas. Eu levo mão, levo pescoço, levo as peças para eles fazerem lá. As crianças, gente velho. Eu cheguei e disseram que eram 3 horas de oficina, chegamos lá duas horas. Quando cheguei lá tinha mais de 20 pessoas para trabalhar. Aí eu fui espalhando as peças, fui pegando, fui botando a cola para um canto, tinta para outro e só sei que quando deu 5:30 eu terminei os 20 bonecos. Ficou tudo pronto. Cada um levou para suas casas, onde a gente faz não fica não. Teve umas mulheres lá do Recife… veio do Recife quando soube que eu ia fazer boneco lá. Vieram cinco. Aí eu fiz 15 bonecos, e meu filho também trabalha, o Duda, já faz boneco também, que brinca comigo. Mora no Recife, ele é eletricista. Ele fez 5 de madeira e eu fiz 15 de reciclagem. Foi um trabalho muito grande, viu?

JOSI MARINHO  – E como é essa arte? Que materiais são usados? 

15:27 – Papelão grosso, cartolina, cano de 3\4 pra fazer as mãozinhas. A mãozinha feita de madeira para colocar é mulungu também.

DESC – Mulungu é uma árvore que pode atingir até 15 metros de altura e tem um diâmetro de 40 a 70 centímetros. Em determinada época do ano perde a folhagem e as flores vermelhas ficam evidentes e chamam atenção de quem passa. A árvore tem uma superfície espinhenta. A casca é usada para fazer chá. Tenho certeza que você já ouviu falar no chá do mulungu, que tem ação calmante. A madeira do mulungu é bem leve e macia e tem muita durabilidade. É usada para fazer tamancos, brinquedos… Mestre Calú nos disse que o cupim nem chega perto e que a madeira dura tranquilo de 50 a 60 anos. 

JOSI MARINHO  – Depois da criação dos bonecos o que mais acontece? 

16:14 –  Aí vem a pintura.

JOSI MARINHO  – Como é feita a escolha das cores? 

16:23 –   É Rosa, as vezes escuro. A gente mistura preto com branco e da cinza. Sai misturando. É difícil ter um boneco só rosado, parece que eu tenho um boneco aqui que ele é rosado todinho. A vida continua desse jeito. 

JOSI MARINHO  – As roupas também chamam a atenção. Sempre muito estampadas. 

16:53 –  A mulher faz a roupa. A minha esposa quem faz, dona Zefinha.  Ela tem uma máquina e aí ela costura. A gente vai pra Garanhuns e ela  já fez 20 roupas para eu levar. A roupa já vai pronta, no elástico. Porque se a gente levar ele para fazer, uma oficina, tem oficina de dois meses ou três. Eu já fiz uma em Floresta que foi dois meses ou três para fazer 35 bonecos, 40. E lá não, fizemos uma oficina, era para três dias e não passou nem 6 horas para fazer.

JOSI MARINHO  – É qualquer tecido?

17:31 –  É qualquer tecido de cor, estampado, do jeito que a gente quiser. Aqui tem dele, já feito, foi o que sobrou lá. Eu levei 20 e meu menino levou 5, aí sobrou tem quatro aí, sobrou.

TRILHA

JOSI MARINHO  – E aqui vai outra curiosidade. No universo do mamulengo os personagens não são apenas humanos… Também tem animais nas histórias. 

17:54 –  Porque os bichinhos, o pessoal acha muita graça. Quando a gente bota Simão para dar nos bonecos, o pessoal falta morrer de tanto rir. Tem um urubu que belisca ele, aí o povo morre de rir. Tem o engole cobra, que engole a cobra todinha. Tem duas cobras que ela engole, é muito engraçado.  

JOSI MARINHO  – (AR DE RISO) Mestre, agora me diga uma coisa…. É mais fácil criar os bonecos que representam os humanos ou os animais? 

18:42 –  Os bonecos. Porque os animais são mais difíceis a gente fazer. O boneco é mais fácil. Quem tá acostumado com o boneco, num instante faz um boneco desse. Agora o negócio é para secar, porque isso demora para secar na oficina, porque tem que secar a tinta, né? Tem que secar a cola.

19:03 – Eu trabalho com tinta de pano. Eu trabalhava com tinta dessa fedorenta, tem dela aqui, tá cheio, porque ofende minha cabeça.

DESC – Mestre Calú pega um dos bonecos para nos mostrar a estrutura. A cabeça e os braços são de madeira. Esse boneco é todo rosa, meio alaranjado. O tecido está colado no pescoço do mamulengo. É um tecido branco com estampa verde e que cobre todo o braço do mestre. É assim que ele consegue manusear, sem que nenhuma parte do braço dele apareça. São vários tipos de bonecos. Tem os feitos com a madeira do mulungu e tem os feitos com cano pvc de 40. Esse é todo coberto com cartolina.

JOSI MARINHO  – Mestre, chama atenção que seu trabalho também é sustentável. O senhor inovou fazendo bonecos com material reciclável.  

20:10 –  Foi porque eu fui começando a fazer de madeira. Depois… não aprendi com ninguém não, viu?. Eu comprava boneco em Carpina, caro. Comprava em Lagoa de Itaenga, Glória do Goitá nessa época não tinha. Fui pra lugares longe. Aí fui fazendo, fui cortando papel e fui ajeitando. Eu aprendi e faço  boneco de todo tipo que eu quiser fazer.

20:47 – Os de reciclagem também. O  pessoal só quer mais os de reciclagem. O governo só quer mais reciclagem. Pra não entrar faca no lugar que vai. Eles gostam mais de reciclagem. Aí eu faço mais reciclagem para os colégios. Vai fazer quase dois meses que eu fui para fazer uma apresentação lá. Eu não fui fazer boneco, eu fui fazer uma apresentação. Aí fiz uma apresentaçãozinha, cedo e de tarde, dois expedientes. Eu só sei que firmaram pra lá pra cá, só sei que que os meninos lá estão fazendo. Já estão fazendo boneco, os meninos do tamanho de nada já fazem boneco.

JOSI MARINHO  – E por falar em fazer bonecos… Essa arte já lhe levou para vários lugares, né? Conte pra gente por onde o senhor passou. 

21:38 –  Eu trabalhei em Goiana. Trabalhei em Carpina, oito meses. Já passei por 8 colégios em Carpina. Trabalhei em Angélica. Trabalhei em Trigueiro. Trabalhei em Murupé. No Luís Maranhão, fizeram meu nome lá, desenharam eu todinho lá numa sala. Aqui é a sala do mestre Calú.

22:14 –  Fui pra Santa Catarina. Já fui para São Paulo três vezes. Fui para Brasília no ano passado. Fomos pra Garanhuns esse ano, e assim continuando graças a Deus.

22:30 –  Eu acho muito bom levar meus bonecos pelo mundo. Pra mim é uma satisfação maior do mundo. Viajar de avião, eu gosto muito (risos). Eu gosto de viajar de avião, acho melhor do que de carro. São viagens de quase 5 horas de carro, a gente senta num carro e é capaz de adormecer o espinhaço. Num avião, 2:30, 3 horas chega. 

TRILHA

JOSI MARINHO  – No mamulengo várias tradições são representadas: o cavalo marinho, o coco de roda e o maracatu. 

23:55 – É, essa representação todinha. O cavalo marinho, o pastorio, a nação de caboclo. Eu criei tudo isso. 

JOSI MARINHO  – E as histórias são fixas ou mudam a cada apresentação? 

24:12 –   Às vezes eu mudo. Às vezes tem muito coco, aí a gente vai mudando. Quando chega na apresentação no lugar, já tira o coco, em outro lugar, mais diferente, e assim vai. Eu morava aqui no engenho, foi onde eu criei esse mamulengo, engenho Montezu, perto da usina Laranjeira. Aí eu cheguei preto, que nem um carvão, todo melado de carvão, que eu cortava cana. Aí me deitei de papo pra cima num banco, aí veio aquela sopra no meu juízo.

(cantoria)

– Aí eu fiz os três bonecos, tem eles aqui.  Aí é seu Mama, Maminha e Mamá. Isso aí é um coco do mamulengo. Eu sonhei e criei eles.

JOSI MARINHO  –  E o senhor sonha muito com o coco e com a histórias?

25:23 –  Quando da fé vem na minha cabeça. Vem tão fácil, eu nunca tinha visto, graças a Deus.

TRILHA

JOSI MARINHO  – Toda essa capacidade de criação concedeu ao Mestre Calú em 2022 o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Ele também é considerado, desde 2019, um guardião da memória viva do mamulengo.  

25:41 –  Fico tranquilo, satisfeito de fazer as brincadeiras quando me chamam. Quando me chamam para Colégio, que vem meio mundo de menino de escola, fazer entrevista. Tem professora que passa por aqui e pergunta: “seu Calú, quanto é pra fazer entrevista?” Eu digo que entrevista não paga. Agora eu indo brincar, eu faço uma ‘apresentaçãozinha’, bem cedo e de tarde, dois expedientes, faço por R$ 400. Às vezes me chama e às vezes vem pra aqui. Tem vezes que vem um ônibus cheinho de meninos pra aqui. Aí pega boneco, aquela alegria viu? Se senta nessa calçada aí, vai até em cima. 

26:38 –  É justamente, eu gosto de criança.

TRILHA

JOSI MARINHO  – Mestre o mamulengo brinca o ano inteiro ou é uma atração cultural de alguma época específica?  Carnaval, São João…? 

28’42’’ – O mamulengo na cultura, a gente não brinca o carnaval. É difícil, é muito difícil. Só é de festa, final de ano, colégio, que as vezes faço oficina no colégio e brinco com o meninos. Os meninos ficam apresentando.. 10 ou 12 meninos. Cada um com um boneco. 

JOSI MARINHO  – E quem tiver interesse de visitar o Espaço Memória de Mestre Calú e conhecer de perto essa arte e os inúmeros bonecos, o espaço fica na Rua Daniel Florêncio Dias, número 14, no Centro de Vicência, ao lado do cemitério.  É aqui que o senhor confecciona os bonecos? 

33’40’’ – A minha bancada, tem um motor ali, tudinho ali. Pronto é onde eu faço boneco.  A minha vista foi operada, vai fazer 12 dias hoje que fu operado dos olhos. Mas eu fui para Garanhuns e fiz a brincadeira. Não estava nem com oito dias ainda.

JOSI MARINHO  – Quando o senhor não está brincando ou fazendo boneco o senhor gosta de fazer o quê? 

34’08’’ – Limpar mato, aguar as plantas… Eu não paro de jeito nenhum . A mulher diz: “ homem para, vai deitar, homem.”  Mas não sei dormir de dia não. Não sei dormir de dia. Me deito e fico embolando na cama lá pra cá. Só durmo de noite. Acordo às 2h e não durmo mais. 

JOSI MARINHO  – Antes de terminar esse episódio a gente vai continuar a ouvir uma história… Lembra que anteriormente a gente conheceu Simão, Seu Mané, Dona Lembrança , Seu Mané viajou para recife e quando voltou encontrou Simão, que foi contratado para administrar a fazenda, dançado…. Pronto… A história continua.   

35’55’’ – Eu me chamo Simão de Lima Condessa. Ele é marido de Andreza. Andreza tem a cabra e a mudança… Tem um coco que diz: 

(Cantoria)

Esse é o coco que ele sobe para acertar o coco como seu mané… Seu mané vai para “arrecife”, depois ele dança com a filha de Seu Mané… Dona lembrança. Seu Mané chega e diz: “ – Bonitas obras, Rapaz…Eu deixo um administrador para cuidar da minha fazenda e você dançando com minha mulher e minha filha. Isso é um negócio mal feito!” Aí ela diz: “- Mas, Seu Mané que besteira”, a mulher dele diz. Ela dá três peitadas em Seu Mané. Aí tem o coco: 

(Cantoria) 

Seu Mané fica muito brabo!!!!

JOSI MARINHO  – (TENTA DÁ UMA RISADINHA) – HAHAHAH muito bom Mestre Calú. A gente só tem o que agradecer por essa conversa. 

37’55’’ – tá bom? Tá certo, tá? Muito obrigado. Obrigado.

JOSI MARINHO  – AAAHHHH  pera aí que Simão também quer falar com a gente. 

38’12’’ – “ – Oh seu Simão. – Que é, rapaz? – Você sabe entoar uma sorte bonita e maravilhosa, seu Simão? Vai para esses meninos que vieram de Nazaré. Os rapazes de bem e capacidade.” Aí segura o coco: 

Cantoria

ENCERRAMENTO

JOSI MARINHO – E a gente também agradece a você que chegou até aqui com a gente.  É assim que termina o quinto episódio da Temporada Especial do Podcast Nossa História, Nossa Memória sobre os patrimônios materiais e imateriais da zona da mata  

Nesta temporada, o projeto conta com apoio da Universidade de Pernambuco, Campus Mata Norte; do Ponto de Cultura Poço Comprido; Patrimônio Vivo e Ponto de Cultura Banda Curica; Patrimônio Vivo e Ponto de Cultura Banda Revoltosa; da Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco, que é patrimônio vivo e ponto de cultura. São parceiros, ainda, o Ponto de Cultura Bloco Rural Caravana Andaluza; Associação dos Mamulengueiros e Artesãos de Glória do Goitá; o Museu do Mamulengo de Glória do Goitá; Banda Musical Euterpina de Timbaúba, patrimônio vivo de Pernambuco.

Lembra de passar nas nossas redes sociais @podcastnossahistoria no Instagram.

– Já no Facebook somos Podcast Nossa História, Nossa Memoria.

– Estamos em todas as plataformas de áudio com episódios novos e temporadas antigas. 

– Todo nosso material se encontra no site nossahistorianossamemoria.blog.br 

– Na equipe deste podcast João Paulo Rosa com a trilha sonora. 

– O jornalista Gedson Pontes com roteiro e montagem.

– A produtora cultural Crislaine Xavier com a audiodescrição.

– Alisson Santos com a gravação. 

– Videomaker: Julio Melo. 

– Designer: Murilo Silva.

– Web designer: Saulo Ferreira   

– Apresentação e produção da jornalista Josi Marinho. 

– No nosso canal do Youtube, nossos episódios estão traduzidos em Libras – Língua Brasileira de Sinais pela tradutora Ewelyn Xavier  

– Coordenação geral e reportagem do jornalista, documentarista e produtor cultural, Salatiel Cícero.  

A gente te espera no próximo episódio !!!! Até lá!!!

!!!! ATÉ LÁ!!!

MESTRE CALU
Episode 13