UCEA – União Carpinense de Escritores e Artistas.

A Mata Norte, além da expressividade da dança, colorido presentes na cultura popular, tem, em seu DNA, uma forte tradição oral e literária. É nesta atmosfera cultural, que há 20 anos, a UCEA –  União Carpinense de Escritores e Artistas – uma instituição que atua na articulação, difusão e promoção da tradição da arte literária de artistas, grupos e instituições da Zona da Mata Norte de Pernambuco, vem construindo um ambiente de conhecimento, valorização e preservação ao saberes literários presentes no maracatu rural, coco de roda, ciranda, cavalo marinho, entre outras manifestações raiz. 

ROTEIRO – 2 – UCEA – União Carpinense de Escritores e Artistas

Poesia Tatiane Nascimento

Josi Marinho – Este projeto é realizado com o incentivo do Funcultura, Fundarpe Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco

Josi Marinho – É com poesia que abrimos mais um episódio do Podcast Nossa História, Nossa Memória: um espaço para exaltar os patrimônios materiais e imateriais da Zona da Mata de Pernambuco. 

Josi Marinho– A poesia que você acabou de ouvir, foi recitada pela professora Maria José Barros. Durante esse episódio ela vai nos fazer companhia com belíssimas interpretações.

Cris Xavier – Maria José Barros é natural de Limoeiro, no Agreste de Pernambuco. É professora aposentada de língua portuguesa, escritora e poetisa. É uma mulher branca, que usa óculos e possui cabelos pretos,  curtos e lisos. Tem várias obras publicadas e é membro da UCEA.

Josi Marinho – Hoje vamos mergulhar na história da UCEA – União Carpinense de Escritores e Artistas.

Josi Marinho – Eu sou a jornalista Josi Marinho. Mulher negra, produtora cultural e realizadora desse projeto.

Cris Xavier – E eu sou Cris Xavier, mulher negra e produtora cultural. Este podcast conta com recursos de audiodescrição, importante para contar histórias para pessoas com deficiência. Então, sempre que você ouvir este som ,você também vai ouvir minha voz descrevendo algo importante do nosso episódio.

Poesia Carpina – Luiz de frança

Josi Marinho  – Como deu pra notar, nós estamos em Carpina, município da Zona da Mata Norte de Pernambuco, há 55 quilômetros do Recife. Carpina é o segundo maior polo comercial da Mata Norte. O turismo é forte em épocas juninas. A economia se baseia na monocultura da cana-de-açúcar. Carpina é uma cidade rica culturalmente, cheia de artistas. 

E foi nesta cidade que um grupo de artistas escritores decidiu se unir para propagar a arte,a poesia e a literatura popular. É ou não é uma boa ideia? assim nasce a união carpinense de escritores e artistas. A UCEA foi fundada em 13 de março de 2003. O grupo era destinado a discutir e propagar toda essa arte na cidade.

Quem nos acompanha nessa história é a professora Joseane Rocha. Há cinco anos ela é diretora da UCEA.

Cris Xavier  – Joseane Rocha é uma mulher negra, de cabelos cacheados e curtos. Usa óculos e tem um rosto afetuoso como se estivesse sempre sorrindo. Ela se descreve como ativista contra o racismo. É feminista e pesquisadora da cultura popular da Mata Norte de Pernambuco. O currículo é bem extenso, mas destacamos o mestrado em língua portuguesa. também é produtora cultural, ex-secretária de cultura do município de Lagoa do Carro, coordenadora de projetos, sindicalista e escritora.

Josi Marinho – Assim como a gente, acredito que você aí do outro lado tá muito curioso para entender como tudo isso começou. O que faz a UCEA? Quem teve essa ideia? Ajusta os fones, o volume e vem com a gente.

Josi Marinho – Pedimos para a professora Joseane relembrar do encontro dos fundadores… Voltar no tempo e resgatar essa memória. Descobrimos que o pontapé dos artistas carpinenses nem aconteceu em Carpina…Foi numa cidade vizinha que A Grande Ideia Nasceu.

Professora Joseane Rocha – “Há 20 anos, os idealizadores foram convidados para participar de uma academia em Lagoa do Carro pela então prefeita, Judite Botafogo, o poeta Luiz de França; dona Lisar, falecida; Leonilton Carneiro; Edite Marinho. Foram os fundadores da UCEA e, até hoje, nós temos essa entidade que se agigantou no nosso município”.

Josi Marinho – Esses artistas fundadores possuem obras magníficas e você ouve trechos desses trabalhos durante todo esse episódio.

Josi Marinho – A ideia de reunir escritores, poetas e artistas em um grupo só fortaleceu a arte popular. Hoje a UCEA é a entidade cultural com maior tempo de atividade em Carpina.

Professora Joseane Rocha – “Hoje tem 20 anos de atividade ininterrupta, então é a entidade cultural carpinense de maior atividade permanente em Carpina. Então, nós temos muito orgulho, né? Em ter essa vida, essa vida útil, essa vida cultural em Carpina. Então, isso é algo que nos orgulha bastante. Então a UCEA hoje vive de permanecer ativa com os seus artistas, com seus escritores, que se encontram para recitar, para trocar ideias, para lançar os seus trabalhos, seus livros, para apresentar as suas obras. Também não temos apenas escritores, como o próprio nome já diz, nós somos uma entidade artísticas, embora predominantemente, nós somos compostos pela sua grande maioria de escritores”.

Josi Marinho– Esse grupo sempre está reunido,  seja para discutir e planejar alguma programação, ou para realizar recitais, por exemplo. O evento mais aguardado é o terraço cultural.

Professora Joseane Rocha – “Onde nós nos reunimos uma vez ao mês, em um terraço, em um jardim, em uma garagem. Um espaço, que nos é cedido, que nos é compartilhado ou por um vizinho,  ou por um membro da entidade, por qualquer pessoa que sinta vontade para compartilhar o seu espaço e nos receber e ali. Nós fazemos uma espécie de sarau. Onde a gente recita, onde nós cantamos, onde nós expusemos o nosso trabalho. E ali nós compartilhamos esse material, essa arte e passamos esse tempo, nesse sarau muito gostoso, e onde nós temos esse prazer de compartilhar desse elemento tão prazeroso que é a arte”.

Josi Marinho – São cerca de 25 membros, entre escritores e escultores. Mas esses artistas não têm uma sede, um local fixo para os encontros. Essa nossa conversa, por exemplo, aconteceu na casa da professora Joseane. 

Cris Xavier  – A casa é acolhedora, bem iluminada e preserva uma fachada antiga. Fica perto do centro de Carpina. A gente conversa numa sala com cerâmicas antigas, em tons de marrom,  que parecem azulejos antigos. Na parede vários quadros, pinturas e fotografias da família da professora.

Josi Marinho  – Não ter uma sede dificulta o andamento das reuniões e até dos encontros.

Professora Joseane Rocha – “Hoje nós temos lutado para conseguirmos a nossa sede. Até então já tivemos várias promessas. Inclusive, já tivemos um prefeito que fez uma doação em um grande evento. Infelizmente, nós tivemos a realização que não se efetivou. Nós recebemos uma doação em público, mas que não foi efetivada de fato de direito. E a UCEA nunca recebeu esse prêmio, esse presente, né? Já foi prometido várias vezes esse terreno e infelizmente nós ainda não tivemos a realização desse tão sonhado prêmio. Mas não, não perdemos a esperança. A gente sabe que um dia vai chegar e é a nossa meta”.

Josi Marinho  – Estamos curiosos para saber como a UCEA funciona na prática. Falamos de encontros, recitais … Mas como isso acontece? Qual o resultado ou o produto desses encontros?

Professora Joseane Rocha – “A UCEA durante 20 anos fez três coletâneas. Então, as coletâneas são a composição de organização de obras de vários artistas, né? Então, aí a gente faz o fomento, a organização, capta recurso e organiza os textos para que esses poetas, que não teriam condição de publicar de forma separada, individual. E aí nós organizamos esse material para publicar de forma conjunta. Então a última publicação foi da terceira coletânea, foi em 2019 bem pertinho já do lockdown. E aí foi uma grande festa, nós juntamos, se não me engano foram 10 artistas, que apresentaram seus textos. Foi muito bom, fizemos uma grande festa”.

Cris Xavier  – A professora se referiu ao lockdown, que ocorreu no começo de 2020. Essa foi uma medida de restrição extrema e necessária, que resultou no fechamento total ou parcial de áreas geográficas, comércio, escolas, indústrias… O mundo vivia a pandemia da covid-19, desencadeada pelo coronavírus, que matou milhares de pessoas.

Poesia saudade de mim – Verônica Guimarães

Josi Marinho – Professora, a gente fala de uma cidade que se destaca e cresce a cada dia na Zona da Mata de Pernambuco. Falo isso na condição de filha e moradora desta cidade. Hoje Carpina é uma promessa do setor imobiliário, tudo cresce junto com o município. Mas não podemos esquecer o lugar onde ela está inserida. Um pedaço caro da história do Brasil. Ao mesmo tempo um dos mais pobres e muitas vezes negligenciado:  a zona canavieira. A gente fala de literatura e vem logo à mente os clássicos, os livros grossos… histórias …. palavras difíceis … Porém, aqui existem os escritores e poetas populares. São trabalhadores rurais que escreveram loas de maracatu, letras para o coco de roda e a ciranda.

Cris Xavier  – As loas, são letras… composições musicais do maracatu,  que por sua vez é uma manifestação cultural e musical tradicional do nordeste brasileiro,especialmente de Pernambuco. O maracatu e suas loas são expressões com elementos africanos e brasileiros…. Algumas características são a dança, as cores, desfiles e figurinos típicos. Já o coco de roda é um ‘ritmo, dança’… Também típico da zona canavieira. Aqui é uma combinação de música, canto e dança muitas vezes em formato de círculo ou roda. A ciranda também é coisa nossa, pode ser tocada, dançada em formato de círculo e acompanhada por palmas..

Josi Marinho  – todos esses ritmos trazem letras que refletem o dia-a-dia e as reflexões de gente simples, trabalhadores, muitas dessas letras foram compostas no engenho e retratam a vida humana como ela é. Não tem como descartar a poesia e a literatura popular desses artistas.

Professora Joseane Rocha – “É você tocou numa coisa assim que me deixa bem ouriçada, porque tudo isso para mim é vida. A literatura oral é algo que me chama muita atenção. Inclusive a minha dissertação ela trata disso. Porque eu fui buscar nas loas do maracatu rural, um estímulo para tratar, para fazer o letramento literário com as turmas de eja”. –

Cris Xavier – E já significa educação para jovens e adultos. É um programa criado para jovens, adultos e idosos, que por algum motivo não conseguiram terminar os estudos básicos no tempo convencional.

Professora Joseane Rocha – “Então eu busco nessa linguagem da literatura oral, porque eu entendo que é justamente na linguagem popular, na linguagem dessa oralidade, da busca do homem do campo. Porque eu entendo que a cultura popular, ela tem uma riqueza muito grande. A língua portuguesa ela passa pela linguagem da cultura popular. Inclusive eu aproveito os fomentos e aproveito também os fomentos de cultura e os fomentos de projetos de cultura, para pesquisar isso. Inclusive, através do Funcultura nós já pesquisamos as influências da linguagem da cultura popular. As influências da linguagem africana aqui na região da Zona da Mata.”

Josi Marinho– Estamos curiosos para saber que conclusões a senhora já conseguiu ter nessas pesquisas. O que influenciou todo esse povo?

Professora Joseane Rocha – “Nós já fizemos através de coletivo de mulheres e de professores. Nós já fizemos um recorte das influências africanas, que aí a gente fez um recorte com o banto e as linguagens nagô aqui na nossa região. O banto é um recorte de uma linguagem de algumas linguagens africanas, e também o nagô. Banto e nagô são recortes de duas linguagens africanas, até porque nós temos três comunidades quilombolas aqui na nossa região. Nós temos aqui Barro Preto (Carpina), nós temos Trigueiros (Vicência) e nós temos… Esqueci o nome agora uma comunidade em Goiana – PE”.

Cris Xavier  – Povoação ( São Lourenço). São três comunidades quilombolas: Barro Preto, Trigueiros e Povoação. Elas ficam nas imediações de Lagoa do Carro, Vicência e Goiana.

Professora Joseane Rocha – “Além dessas três comunidades, a gente tem uma expansão dessa linguagem, dessa influência, e aí a gente tem essa influência aqui que beira toda nossa linguagem coloquial, que vai ter influência em todas essas comunidades de cultura popular. Fora isso, a gente tem as manifestações populares de coco, maracatu, além das manifestações também religiosas. Então, tudo isso vai se reverberar na linguagem e se manifesta através da linguagem tudo isso é a língua. Tudo isso, sim, se estuda na língua portuguesa”.

Josi Marinho : Nos corrija se estivermos errado… mas às vezes parece que a literatura popular, que a música do cortador de cana, que a letra da ciranda e o ritmo do maracatu são negligenciados pelos, entre aspas, “intelectuais”. Muito do que sabemos vem do boca a boca, do empirismo, da sabedoria popular passada de geração em geração pela oralidade… com poucos registros escritos.

Professora Joseane Rocha – “Ainda é muito discriminado como você diz e visto ainda de forma periférica. Sim, a academia ainda vê muito de forma periférica e por isso eu vejo como um campo muito rico a ser pesquisado. O fato de ser visto de forma discriminada e periférica no meu entendimento é um campo de vasta pesquisa”.

Josi Marinho – Por que essa linguagem literária popular é tão desconhecida e até desvalorizada? 

Professora Joseane Rocha – “Por que é pouco pesquisada? Porque o desconhecido é justamente porque é pouco publicado. Se a gente tem pouca literatura a respeito é porque existem poucos pesquisadores e pouco fomento”.

Josi Marinho – “Por isso é importante falar que na Universidade de Pernambuco, a UPE, existe um espaço para que o aluno conheça melhor a cultura popular. O curso de letras têm em sua grade curricular a disciplina de literatura popular. É o primeiro curso do Brasil a ter essa disciplina como obrigatória. São estudos voltados para oralidade literária, cultura popular, memória, identidade cultural, imaginários sociais, como mitos e utoria, e ideologias. Quem sabe podemos contar com novos professores propagando a arte do povo?”.

Josi Marinho – Com toda essa nossa conversa, me veio na mente uma espécie de linha do tempo cultural. Acompanha comigo… São tradições: o mamulengo, Patrimônio do Brasil, o maracatu rural e a ciranda… Construções literárias, mesmo que oral, do dia-a-dia. Isso mudou? Surgiu gente nova, poetas novos? como essa linguagem evoluiu?

Professora Joseane Rocha – “Não, tem evoluído. Inclusive também já pesquisamos sobre o mamulengo aqui na regional com o nosso Coletivo Flor da Mata. Inclusive publicamos  o filme sobre Miró, né? Fizemos a edição e o lançamento”.

Cris Xavier  – O filme é um curta-metragem em formato de documentário. Miro: um sonho que virou boneco. É a história do mamulengueiro carpinense, Ermírio José da Silva. A curta mostra a trajetória do mestre desde as primeiras tentativas de reproduzir bonecos usando cabos de vassoura,  até o reconhecimento internacional. A equipe foi formada pelo Coletivo Fulô da Mata. A gravação foi feita pela equipe da batuk estúdio e o financiamento foi do Funcultura. 

Professora Joseane Rocha – “Nós já tínhamos feito a pesquisa sobre o mamulengo e logo em seguida, nós fizemos o lançamento do filme. O mamulengo ter se tornado Patrimônio Imaterial foi de grande importância, né, para valorização dessa linguagem”.

Cris Xavier  : Mamulengo é como se chama o teatro de bonecos.  É popular aqui no nordeste brasileiro. São marionetes manipuladas por artistas que contam histórias com elementos humorísticos e sociais. Em 2015, o  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico  Nacional (Iphan) reconheceu o teatro de bonecos popular do nordeste, como Patrimônio Cultural do Brasil.

Professora Joseane Rocha – “Isso traz para evidência, indiscutivelmente dá uma qualidade para o brinquedo, assim como todas as outras linguagens, traz uma valorização muito grande. Mas o que eu vejo, que é necessário, é que os próprios artistas e que produtores e pessoas que circulam nesse meio precisam também dar uma qualidade  e valorização para essas linguagens. Sabe? Acho que a gente precisa dialogar. Precisa haver um diálogo e um fortalecimento. Eu acho que o diálogo fortalece, que as entidades de cultura, as entidades de artistas, precisam afinar melhor esses diálogos, porque enquanto a gente está separado a gente acaba fragilizando”.

Poesia Tua Metade – Sandra Albuquerque

Josi Marinho  – Professora, se a senhora nos permite, agora queremos entrar um pouquinho numa esfera mais pessoal. Entender essa sua paixão pela literatura popular e pela UCEA. Vamos um falar um pouco da sua história com a UCEA? Há seis anos a senhora ingressou nesse grupo e há cinco tornou-se diretora. O que foi que lhe atraiu nesse projeto?

Professora Joseane Rocha – “Acho que a necessidade de contribuir com esse trabalho social, com o trabalho literário, de certa forma é uma extensão do meu trabalho enquanto profissional. Enquanto professora de literatura, eu me senti também no apelo de dar a minha contribuição social, quase uma extensão do trabalho da sala de aula. Então eu recebi esse convite, aceitei e estou até hoje, mesmo fora da diretoria-executiva, mas eu continuo me sentindo, ainda na obrigação de fazer parte dessa entidade. É algo que demanda bastante trabalho, mas a gente tem também um prazer do resultado, né?.;”

Josi Marinho – É mais fácil para quem tem 30 anos de sala de aula, lidar com esse trabalho? Imagino que é um trabalho constante unir a literatura trabalhada na escola pública com o que é desenvolvido na UCEA.

Professora Joseane Rocha –  “Parece que foi ontem, né? 30 anos atrás eu estava adentrando ao serviço público, assim, cheia de ideias, cheia de perspectivas, acreditando que o mundo era colorido e que seria tudo assim muito fácil, muito rápido. E a gente vai descobrindo no fazer pedagógico, que não é bem assim. Muitas das vezes nós temos ideias e na hora da execução é que a gente aprende que as ideias também não são bem assim, que são possíveis de serem executadas. E a gente aprende a fazer fazendo. O fazer pedagógico ele tem essa nuance, a gente vai amadurecendo e eu fui amando cada vez mais essa descoberta”.

Josi Marinho – Veja como é interessante e importante essa nossa discussão. Não poderíamos falar de arte,  literatura, poesia… sem falar de educação … e educação de base… escola pública. Nesses 30 anos de sala de aula… Qual o entrave? … Qual o desafio? …  O que falta?…

Professora Joseane Rocha –  “Eu acho que as políticas partidárias elas interferem muito de forma negativa no desenvolvimento das políticas públicas, porque as políticas públicas, elas tendem a ter uma certa evolução e elas travam quando as políticas partidárias interferem. E muitas vezes, ao longo desses 30 anos, algumas políticas públicas conseguiram funcionar e elas chegaram a parar, ou a travar, quando as políticas partidárias falaram mais alto. É muito visível isso agora por exemplo na última Reforma do Ensino Médio, que está sendo uma grande catástrofe. E é muito visível e é muito séria e vista por todos os lados, por todos os olhos. Digo isso pelas famílias, pelos estudantes, pelos professores. Todos os participantes dessa história estão insatisfeitos. E por olhares diferentes. Digo porque eu escuto dos alunos, escuto dos pais, escuto e falo enquanto professora. Eu só não escuto isso dos políticos. Eu só não escuto isso de quem executou essa política, né, que ainda continua dizendo que funciona. São as únicas pessoas que continuam dizendo que funcionam, são justamente os que não estão sofrendo as consequências dessa política. infelizmente”.

Josi Marinho  – Ainda estamos muito interessados em saber como essa nova geração recebe os escritores e poetas populares. São mais de 20 na UCEA, certo?  esses artistas carpinenses vão até as escolas? Esses nobres escritores e poetas trocam ideias com alunos que ainda estão em contato com a base da língua portuguesa? 

Professora Joseane Rocha –  “Eu já tive as duas experiências tanto de levar a UCEA para sala de aula, quanto de fazer o inverso, né? Muitas vezes, já levei os poetas e os escritores para a escola. De levar a escola para UCEA, porque aí eles precisam ter esse feedback. Eu acho interessante quando os alunos descobrem que existem escritores carpinenses. Ano passado eu trabalhei com os primeiros anos e eles ficaram assim: surpresos! Muitos alunos não sabiam que existiam escritores aqui, bem pertinho deles. Surpresas de verdade, porque os alunos achavam que só existiam escritores de 100 anos atrás, escritores de outro de outros universos, de outros estados, que não imaginavam que existiam escritores aqui em Carpina. Alunos emocionados, que choravam porque davam um abraço no escritor Luiz de França, que não sabiam o que existiam. Isso é muito gratificante. Isso é ótimo”.

Josi Marinho – A gente aqui fica imaginando um pouco desses encontros…  escritores com leitores ou futuros leitores… um encontro da sabedoria … que fantástico!!! Acredito que os membros da ucea também saem emocionados. 

Professora Joseane Rocha – “E o inverso, dos escritores que se emocionavam porque estavam na escola e porque estavam ali tendo a experiência de terem jovens fazendo a leitura dos seus livros. Então, ambas as experiências são muito boas e, eu, enquanto professora, está ali sendo vetor dessas experiências. Então eu me realizo enquanto professora de estar fazendo esse canal e eu me realizo enquanto membro de uma entidade que estou fazendo isso funcionar. Então eu me sinto confortável e está fazendo esses dois papéis, por isso eu me mantenho membro da UCEA”.

Josi Marinho – Quando a senhora tomou gosto por tudo isso?

Professora Joseane Rocha –  “A literatura entrou na minha vida por uma das pessoas que foram membro nesse início da UCEA, que foi a professora Emérita Veríssimo. Foi minha professora de literatura, quando eu estava fazendo magistério. Eu nem sabia que eu gostava de literatura, quando eu tive uma excelente professora de literatura. Inclusive, na minha dissertação de mestrado, eu dediquei à ela. Por essa experiência, foi por emerita que eu escolhi fazer a carreira”.

Poesia Monumento ao Trabalhador –  Edite Marinho

Josi Marinho  – Como a senhora se vê em meio a esse grupo? Quais obras já concluiu?

Professora Joseane Rocha –  “Ao longo dessas três décadas… Eu não sou escritora há tanto tempo assim … Eu sou uma recém escritora… não me dê essa carga toda. Eu sou uma escritora bem recente… Eu não me vejo nem como artista, enquanto escritora. Eu me imponho nesse mundo artístico enquanto produtora cultura, porque eu me vejo incluída no universo artístico enquanto produção, enquanto parte desse movimento artístico. Enquanto escritora eu me vejo mais como pesquisadora. Eu me incluo enquanto pesquisadora. O meu primeiro livro foi ‘Barro Preto: história e herança’, enquanto pesquisadora da trajetória do povo do Barro Preto e, enquanto pesquisadora da história da comunidade”.

Cris Xavier  – Barro Preto é uma comunidade quilombola que fica no município de Lagoa do Carro, aqui na Mata Norte de Pernambuco. A professora Joseane ensinou em uma escola nas proximidades da comunidade. Ela notou que ali todos os  estudantes tinham história, hábitos e ancestralidade que muitos desconheciam. A interação, a queda na evasão escolar, a cumplicidade da professora com os alunos levou o povo a um resgate da própria história. Em 2013, eles receberam a  certificação de Quilombo Barro Preto, pela Fundação Cultural Palmares.

Professora Joseane Rocha – “E aí essa pesquisa ela serviu como base para o registro da comunidade quilombola. A segunda publicação eu publiquei em conjunto. Foi como um capítulo, foi uma tessitura de saberes. Foi também uma pesquisa. Já no coletivo, foi uma pesquisa sobre a cultura de Lagoa do Carro, uma trajetória da cultura, e aí falando sobre a produção do maracatu, a história do tapete, a história da fé, a trajetória de Lagoa do Carro. E aí, depois, a gente teve outras pesquisas também fomentadas. Eu já citei algumas que foi a história do mamulengo aqui na região da Zona da Mata, a influência linguística do banto e do iorubá. Aqui na regional, também e algumas outras pesquisas que a gente vai escrevendo”.

Josi Marinho – E como a gente pode encontrar esse material?

Professora Joseane Rocha  – “Na plataforma da Fundape, eu tenho algumas coisas publicadas e, outras, eu vou organizar para a gente disponibilizar, porque as minhas obras eu publiquei e fiz, eu não tenho disponibilizado de forma digital. E agora eu tô pensando em fazer isso, né? Que a gente agora tem que ter acesso, né? E aí a gente tem que se adequar”.

Poesia homenagem à Mulher –  Elias Gonçalves

Josi Marinho  – Vamos falar um pouco da participação feminina. A professora Joseane Rocha, mulher, negra, estudou em escola pública …  A gente tem inúmeras referências de mulheres que deixaram grandes registros literários, muitas vezes em universos predominantes masculinos. Como fica a participação da mulher, da mulher negra, na literatura da zona canavieira?

Professora Joseane Rocha –   “Nós somos minoria, né? Nós mulheres negras, somos minoria. inclusive na própria UCEA, na própria diretoria da UCEA eu sou a única negra, né? Fui a única negra durante um bom tempo, agora nós temos outra mulher negra também, mas não é fácil, não é fácil, e a gente tem tido essa dificuldade, né? Mas não é algo que tem sido só desse cenário da UCEA. É algo que a gente tem percebido, em todo uma toda amplitude de cenário, né? Tem os dois lados da moeda. É algo que a gente tem percebido, que tem discutido e que tem se ampliado. Se a gente tem essa discussão hoje, é porque é perceptível. Durante quantos anos esse cenário se estendeu e ninguém nem discutia, né?.”

Professora Joseane Rocha –  “É uma herança histórica, né? A história não se muda com apenas algumas décadas. A história ela é bem lenta. Ela é bem cruel. E que a gente precisa mesmo encarar de frente, discutir tratar isso na escola, em casa, né com os nossos familiares e que tem que encarar mesmo e virar esse jogo.”

Josi Marinho  – Como se posicionar diante disso? Qual o papel de quem está na frente de um grupo como a UCEA, formador de escritores e leitores?

Professora Joseane Rocha –  “O desafio é imenso, né? Eu acho que o meu papel é o papel do protagonismo na vida real. Eu preciso ser protagonista na minha vida real, que não se limita ao que eu falo. Esse meu protagonismo, ele tem que existir enquanto eu sou, quem eu sou, como eu sou no meu dia a dia. Eu não posso só ter um discurso. Eu tenho que viver esse discurso. Eu tenho que ser coerente com a pessoa que eu sou, eu não posso ser um personagem. Então, a história não vai se limitar a mim também. Eu tenho que estar muito tranquila em entender que isso não vai mudar em um dia, em um ano, em 10 anos… São quantos anos de história? Isso é algo que eu não posso também entrar em crise e achar que eu vou mudar essa história em tão pouco tempo. Não quer dizer que a gente precisa ter tempo e cruzar os braços esperar o tempo sozinho. A gente precisa fazer a nossa parte, a gente precisa correr contra o tempo, mas com muita tranquilidade de entender que não é do dia para noite que a história muda”.

Josi Marinho – É um trabalho muito maior do que se imagina. Não é só escrever, refletir ou ensinar… É de certa forma ajudar e transformar espaços… contribuir com outras ideias…

Professora Joseane Rocha – “Primeiro a gente precisa trabalhar em rede, porque como falei antes, só nós não temos muito o que fazer, né? E aí eu comecei a dar as mãos em alguns coletivos. E aí eu fui buscar no trabalho social, comecei a contribuir no trabalho de mulheres, de ONGS, em ajudar em alguns projetos, né? E aí eu comecei a contribuir com o CEMUR. Fazendo o quê? Elaborando projetos para o CEMUR, né? Que era algo que eu tinha uma certa facilidade para fazer”.

Cris Xavier – CEMUR é o  Centro das Mulheres Urbanas e Rurais, de Lagoa do Carro e Carpina. A sede fica em Lagoa do Carro, também na Mata Norte. É uma ONG de enfrentamento à violência doméstica, com projetos voltados ao empoderamento feminino. E aí para ajudar as mulheres em condição de vulnerabilidade, em condição de violência, né? Que é algo que a gente precisa mudar essa realidade, de mulheres que ainda infelizmente. Todos os dias, estão morrendo. Eu fico muito triste em ver que ontem nós tivemos mais um feminicídio em Carpina. E aí cada um tem que fazer a sua parte.

Cris Xavier   – Esse feminicídio citado pela professora aconteceu em julho de 2023, na semana que gravamos a entrevista. Uma promotora de vendas de 33 anos, morta a tiros pelo namorado, que é cabo policial militar. O PM de 37 anos se apresentou dias depois à delegacia e foi preso.

Professora Joseane Rocha – “Com ONGS eu tenho contribuído dessa forma, né? Com a UCEA, que também é uma ONG, eu contribuo enquanto professora fazendo parte, como eu já falei, né, da entidade, enquanto membro, enquanto professora também. Do ponto de vista social, do ponto de vista enquanto produtora cultural artista. E aí eu vou alinhavando essa vida de professora produtora, né? E a gente vai seguindo”.

Poesia – Mulher – Leonilton Carneiro

Josi Marinho : A gente não pode falar sobre a mulher na UCEA e no cenário literário de carpina sem falar de uma figura importantíssima. Uma das fundadoras e protagonista. Já ouvimos a poesia dela aqui neste episódio. Estamos falando de Luiza França, conhecida como dona lisar. A primeira mulher escritora de Carpina. Ela documentou boa parte da história do município.

Professora Joseane Rocha – “Dona Lisar, nossa querida Luiza França. Nós temos a primeira mulher escritora da história de Carpina. E dona Lisar foi a escritora da primeira publicação da história da nossa cidade, que até hoje, é a referência, né? Qualquer pesquisador que vai escrever sobre Carpina tem esse livro como referência. isso é o nosso orgulho, né?  É uma linha do tempo, uma narrativa de vários episódios. Eu recordo até de alguns de alguns encontros na UCEA, depois mesmo dessa publicação, ela publicou algumas narrativas e poemas sobre episódios que ela vivenciou na cidade. Então, ela tinha muitas recordações sobre Carpina. Olha dona Lisar, ela faleceu em total atividade, a  UCEA já tinha mais de 15 anos, quando ela faleceu. Nós temos muita saudade da nossa querida Lisar.

Poesia dona Lisar – Maria José de Barros

Josi Marinho – Imagino como deve ser o desafio de formar novos leitores e atrair a atenção da criançada que está cada vez mais conectada a aparelhos eletrônicos.  Como atrair a atenção desse público para poesia e literatura.  Fiquei sabendo que esse ano a ucea realizou o primeiro evento voltado para o público infantil. 

Professora Joseane Rocha – “Foi o nosso primeiro evento para crianças e a gente teve uma grande surpresa, foi um sucesso. E assim tava todo mundo muito apreensivo, porque foi a primeira experiência e foi muito bom. Inclusive nós temos escritores para o público infantil dentro da UCEA, mas nunca tínhamos feito um evento infantil”.

Josi Marinho – Não deixa de ser uma forma de garantir que novas gerações produzam  e consumam poesia e literatura.

Sonora

09’30’ –  Como eu disse foi a primeira experiência enquanto entidade. A escritura Maria José de Barros, que é a nossa escritora infantil, ela já tinha feito essa experiência individualmente, mas nunca enquanto entidade. Também Edite Marinho, que é uma escritora que tem obras infantis.  Já tinha feito essa experiência individualmente, mas enquanto UCEA, nós nunca tínhamos feito essa experiência. Então essa experiência, ela foi agora consolidada de uma forma institucional. É uma junção de várias mãos.

Josi Marinho – Falando em criança… em futuro… Esses pequenos leitores podem um dia se tornar membros da UCEA?  Vocês pensam em ampliar a quantidade de membros?

Professora Joseane Rocha – “ Essa escala é livre, né? Mas a gente pensa nessa ampliação, sim. A gente tem tido essa discussão, inclusive com alguns formatos de convite. A nova diretoria já tem feito essa abordagem a algumas pessoas que já estão aí namorando essa possibilidade, né? Temos feito algumas abordagens, né? A gente sabe que não é fácil porque é um compromisso. Você ter um compromisso com uma entidade que precisa se reunir. Então de qualquer forma não é só “ah, eu porque eu gosto, eu quero participar” , mas você tem um compromisso, não é só querer participar. Muitas vezes a pessoa diz que quer, e acaba não assumindo esse compromisso, né? Não é tão simples assim”.

Josi Marinho – É um compromisso lindo, sem sombra de dúvidas. Como estimular esses novos artistas?

Professora Joseane Rocha – “É a gente tem feito essa discussão, principalmente agora com o início de uma nova diretoria, né? A gente pretende iniciar um novo formato de conquista. A nova diretoria tá chegando com novas ideias, com a nova cabeça, uma oxigenação. Porque a gente tem pessoas que são renomadas, mas que a gente entende que precisam também chegar novas ideias, novas cabeças, a gente precisa que pessoas também jovens, que tenham ideias mais próximas da juventude possam também chegar junto”.

Poesia Aparência – Leonilton Carneiro

Josi Marinho : Professora Joseane Rocha… que conversa incrível! Que registro!! A gente aprendeu tanto! Conhecemos a UCEA, mas também falamos sobre educação,sobre futuro e sobre a importância dos nossos artistas populares.  só temos o que agradecer pelo compartilhamento de tanto conhecimento

Professora Joseane Rocha – “Para vocês que estão aí dando também essa contribuição não é? Porque vocês estão fazendo também essa parte de vocês, estão contribuindo com a cultura, com a cultura da zona da mata, com a cultura pernambucana. Isso é importantíssimo, porque isso vai servir como elo na corrente. Isso vai servir como contribuição. Isso é importante para fortalecer essa corrente, para fortalecer essa rede porque é isso que nós precisamos, né? O povo da cultura precisa que nós trabalhamos, em rede porque isso fortalece a cultura pernambucana é a cultura da zona da mata. obrigada”.

Encerramento

Josi Marinho – Esse foi o segundo episódio da temporada especial do podcast Nossa História, Nossa Memória. Tem muita coisa boa pra gente conhecer. Mas te convidamos para mergulhar ainda mais nos assuntos tratados aqui através das nossas redes sociais. Procura lá @podcastnossahistoria no Instagram. Já no Facebook somos Podcast Nossa História, Nossa Memória. Vamos adorar saber o que você achou do episódio. Também estamos em todas as plataformas de áudio. Começa a seguir e a curtir. Aproveita para compartilhar e comentar. E, claro: espalha esta conversa para todo mundo. Manda para os amigos, vizinhos. Também vale a pena ouvir os episódios das nossas temporadas anteriores, com entrevistas com foco na proteção, preservação, conservação e salvaguarda dos patrimônios culturais de Pernambuco. Também tem uma temporada incrível sobre a história do patrimônio ferroviário de Pernambuco.  ah, não esquece de passar no nosso site nossahistorianossamemoria.com.br. Este podcast conta com trilha sonora assinada pelo músico pernambucano João Paulo Rosa. O roteiro e montagem foi do jornalista Gedson Pontes. A audiodescrição da produtora cultural Crislaine Xavier. No nosso canal do Youtube, no Facebook e no Instagram, nossos episódios estão traduzidos em Libras – Língua Brasileira de Sinais pela tradutora Ewelyn Xavier. Gravação, e finalização: Alysson Santos; videomaker: Julio Mello; designer: Murilo Silva; web designer: Saulo Ferreira. Apresentação e produção do jornalista Josi Marinho; coordenação geral e reportagem do jornalista, documentarista e produtor cultural, Salatiel Cícero. //

Até a próxima!!!!